Eu sempre te espero no cais

Coração aberto, esperto, deserto, te espero no cais. Olhar atento, sedento, desalento, te espero no cais. Boca seca, fala empoeirada, garganta aranhada, apenas te espero e nada mais.
Espero entre os náufragos, barcos, velas, nada mais faço do que alentar minha espera no cais. O mar de saudade é pra mim sempre uma passarela que um dia vai te ver chegar.
Mãos inquietas, modestas, alertas. Aliso a saudade, sinto cicatrizes, embalo o sono de quem comigo te espera voltar. Uma Rainha coberta, deserta, deslocada, desolada que sobreviveu e fugiu apenas para morrer de amor.
Eu dou a mão aos moribundos, salvo todos os desabrigos, alimento os famintos. Curo feridas, estanco sangrias e ofereço minha vida, mas minha esperança mora em reconhecer neles teus traços, caos, abraços.
Quando o cansaço me entorpece, vens e amolece todas as cascas do meu coração. Coberto de neblina e de noite, tão incerto, profundo, fraterno, eterno. Amo-te como amam as loucas, poucas, soltas.
Com os primeiros raios vais embora pela cortina translúcida, rompendo a cristal delicado da taça fina e tinta em que bate meu coração. Fica meu corpo solto, sozinho, louco, revolto. Sigo minha espera no cais.
Nosso castelo frio que se aquece apenas quanto encontram-se nossos corações, descontrolados, desautorizados, amados, sem cais. Cortados pela guerra, que dói tanto quanto a saudade de quem ainda não foi, mas que já poderia voltar.
Sigo rainha, escrava, impostora, presa, livre, feliz e triste. Já não posso servir e beijar seu sorriso, mas sigo te esperando no cais e no caos.
Meu corpo segue livre, meu coração preso naquele pedaço de mundo amadeirado e nublado, cheirando lavanda, amor e sonho.
Quando chegar, beije-me devagar, tire a maresia do meu olhar. Abrace-me com abandono, medo, dono. Enquanto isso, eu e o menino, apenas te esperamos no cais.